o afã da ofensa

MANIFESTO SOBRE A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL



... e então, ele dizia "eu te amo"
e eu é que ficava como ostra sem pérola

pode ficar com o gozo; 
é da praxe cultural declarar-me frígida.


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CONCHA VAZIA
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ele tem memória de todo o meu corpo, desde a minha primeira infância, seguindo minhas masturbações como telepata que excita e interrompe o tesão na boceta e na cabeça da amada, para ouví-la gemer em sua mente, depois. seu argumento é que eu estou errada (louca!), que ele nunca pensou em mim como mulher e que meu sexo não o incomoda: não o incomodo, de fato, enquanto ele pensa sobre o timbre da minha voz nas estocadas na namorada, me causando anginas e desejos suicidas à distância. em sua telepatia (que é, como o sufixo determina, uma espécie de doença mental, da audição ou do olfato, a depender da cultura do indivíduo), ele gelou provavelmente todas as minhas fodas, da primeira (e assume o fato, a esse ponto, como quem diz 'mas foi apenas a primeira') à lua-de-mel, destruindo todos os meus relacionamentos do beijo ao sexo, com suas táticas enfrigidecedoras, fofocas da infância e acusações chulas. penso que, no fundo, no fundo, o que ele gosta é de ser o cara a dar a idéia 'foda-a' aos que me conhecem: um cafetão familiar, que antecipa os ângulos possíveis da minha boceta na cama, e conta aos homens quais ele ainda não viu em suas figurinhas colecionáveis de manhã cedo. folie a doux para qualquer homem que se envolva com mulheres, essa coisa de mènage a trois; pecinhas de mim espalhadas como num clube de esquina. e ai de mim que não lhe dê o gozo frígido de ser a puta na cama de suas idéias: como em maldições medievais, milhões de males, anginas mal-vividas na hora do almoço, contrações involuntárias em meu útero, dessas de causar suor frio na testa e tontura no quarto. vivemos vinte anos nesse ritmo, e eu, como Jet Lee em Cão de Guarda, domada à idéia, mergulhada em abismos emocionais intocáveis por qualquer homem e ininteligíveis a qualquer outro gênero. e, por baixo da coleira de cão na qual ele me vestiu, as doces paranóias ultra-românticas a que chamam amores platônicos, numa espécie de mosteiro feminino, à espera das novas descobertas científicas, ao invés de cartas de amor.


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A SELVA HUMANA
 (e como isso mudou a minha estrutura óssea)
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seres humanos são animais, não interessa o quanto discutam a diferença entre si e os outros bichos. se  gatos sabem saltar, se peixes conseguem respirar debaixo d'água, os seres humanos conseguem manter-se conscientes frente a estímulos sensoriais por até vinte e quatro horas/dia - até mesmo quando dormem, vide a existência de sonhos e pesadelos. seres humanos sabem falar sobre a própria consciência, e muitas vezes (e o mais interessante ponto observável da cultura humana é justamente esse "não-sempre") conseguem que outros o entendam.

partindo do pressuposto de que nem toda intenção comunicativa do ser humano pareça encontrar resposta e compreensão no receptor, podemos chegar a duas conclusões sobre o entendimento humano. os interlocutores nunca desistem de ser entendidos, chegando a remodelar a mensagem em tantos pontos quanto pareça possível à imaginação, incluindo tantos argumentos quantos já sejam considerados comuns entre os outros humanos, até o deslocamento epistemológico máximo a que chamamos loucura - a falha total na transmissão da idéia original.

a outra faceta do entendimento se expressa principalmente entre os humanos presos ao status psicológico de receptores da mensagem: a mentira ideológica, e os distúrbios sociopsicológicos culturalmente defendidos por "seu pai" - e ai!, minha loucura assumir já ter ouvido isso um dia - embasados na fantasia social da igualdade e imerso numa estagnação dos valores relacionais da conversação, plus uma pitada de covardia fortalecida pelo desconhecimento e descultura geral - meu deus, quem é Sartre, e o que são esquemas em cor? de certo modo, posso estar exagerando, mas para além do alimento, existe uma fome ideológica nos homens: a de estar  certo sobre a estrutura das suas relações, de ser coerente em suas idéias, em sus pensamentos desenvolvidos, que é mais ou menos como a fome de afastar-se do status de loucura e de atingir o que chamamos autoconhecimento. os mentirosos, em geral apresentam uma fome ideológica mais alta que os pensadores, embora não sustentem, em fato, a comunicação humana - apenas a defesa em idéia sobre a produção de idéias lhes é suficiente. o lema entre os homens que mentem é partir, mudar o esquema de pensamento (a regra número um é jamais precisar discorrer sobre o tema novamente), e andar, para jamais encontrar outro ser humano que o force a enfrentar a realidade por trás de suas farsas.  

infelizmente, pertenço a primeira parte da raça humana, e o agressor, à segunda. eu sou do gênero feminino da espécie, com estatura menor e movimentos mais leves, ainda voltados à criação de filhotes e coleta de alimentos, e ele, másculo já lutou com outros bichos grandes (como outros machos e suas correntes nos shows de ska). a estrutura dos meus esquemas mentais por si soam provocadoras como um dedão shakespeariano a um homem como ele. as suas ciências de iluminação mental, sua consciensciologia, suas décimas profecias e outras 'verdades da transformação e da possibilidade humana' (e meu deus, como isso me lembra meus hematomas) fazem parte da produção de um argumento cujo foco se tornou corrigir a mente humana para atingir a mudança e transformação social que se prega das portas de casa afora.   "paciência", é o que digo ao meu maxilar deslocado, "ainda me faltam algumas palavras a encaixar até que  minha mensagem possa ser decodificada com precisão".

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SOBRE A MARGARIDA PALOGRAFADA EM MEU GOZO
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naquele tempo se dispunham esquemas de pensamento como educação doméstica, ao invés de ensinamentos chineses sobre a benevolência e acompanhamento vygotskiano nas escolas. "o enjôo do tempo", as técnicas "mondo", ou "mundi", "amiga, a vida" e "a voz é bela" eram os primeiros aprendizados sociais infantis, reconhecidas como importante para a vida no mundo adulto. é mais uma de amor pensar que não se aprende a pensar pensando só, mais dor ao coração dizer que pensamento não é fala. não que a mim incomode saber disso depois dos vinte, mas é que as meninas educadas via esquema começaram a namorar mais cedo, é que o mito popular é que elas sonhem as cores em plano profundo, enquanto ainda me contento com voz e imagens do mar. mas não doeria a mim saber disso um pouco mais cedo, antes de ser jogada às idéias e mentiras dos meus irmãos e às falas já cansadas da boca e do dia-a-dia agitado da vida fora do apartamento. de fato, saber da existência da cor como propriedade do pensamento na infância não teria impedido o bullying na escola ou no Visconde de Pirajá, nem de ser chamada de 'siririqueira' pelos menininhos do prédio depois de ter sido, por uma segunda vez, incitada ao sexo por meninas mais velhas. mas devo dizer que ter cobrada a malícia frente a todas as relações que se dispõem a mim, da subvocalização ao esquema em cores é um tanto quanto maldoso e, no mínimo, negligente. ser questionada sobre a veracidade dos meus argumentos em relação à minha frigidez chega a ser um absurdo, visto que gozo de puta nenhuma sai pelo ladrão de seus quartos e o meu, pelo que me contam sai. porque perguntar quando foi que viram/ouviram/sentiram o meu gozo, se isso é intimamente meu e doloroso? é pena que as piadas mais sérias e suas perguntas capciosas nunca entrem em moda ou saiam à meia boca, senão eu me daria ao trabalho de comparar a masturbação matutina natural das mulheres que temem perder a oportunidade de gozar, o sexo das frígidas e o orgasmo feminino descrito nas poesias eróticas. eventualmente, num bar, seria lembrado que cientificamente, o sentido da existência humana é a reprodução e ôpa, o que atrai os seres humanos ao sexo é o gozo. nesse ponto, talvez, eu peça uma retrospectiva sobre todas as vezes em que fui incitada ao sexo cedo demais - duas virgindades perdidas para o prazer de olhos amigos, e todo o stalking telepático silencioso a que minha vida foi imposta nos últimos anos. e só então, eu contaria o que à noite me era proposto sonhar, naquela velha educação sentimental feminina.  a regra era imaginar, e imaginei, aos oito anos de idade, que talvez, um dia eu me tornasse prostituta, e aquele menino de olhos verdes por quem fui apaixonada passaria num carro branco pela orla e me veria de vestido vermelho, com um corte aberto bonito nas pernas e salto, e enfim, desejasse passar a noite comigo. eu o esnobaria, é claro, pelas ovadas que recebi de aniversário, por ter me ofendido entre seus amigos e recusado minhas cartas de amor, mas aceitaria, e sem nem ver o que acontecia no quarto de motel e sem jamais chegar a entrar no restaurante, eu dormia feliz.

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NÃO QUE EU SEJA A ÚLTIMA PAPISA, OU UM QUÍRON, MAS...
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é comum o discurso “cabeça vazia é oficina do diabo”, principalmente em nossa primeira infância, e é por te ver crescido à fala do demônio que insisto: não é à toa que o tenhamos ouvido quando quietos demais no seio familiar, é que a humanidade inteira teme gente como você. e olha o grande carma universal que invoco: com tanta gente no mundo, veja se não é a minha cabeça quem sofre pela sua oficina? e eu já o conheci feito, de oficina pronta. seus sons telepáticos, meu caro demônio familiar, não me servem a mais nada de bom senão entender e associar outros tantos carmas históricos. por quê motivos matou-se tantos cientistas naturais, se não porque os pagãos respeitavam muito mais o valor da fala que os católicos sua própria idéia de deus? e quantos são os cancros sociais que vão continuar apodrecidos e sem cura depois que sua voz sair desse espaço? vai dizer que é loucura minha, eu sei, mas não é essa a vida? pior loucura, e que me tomaria muito mais tempo, seria mentir a mim e aos outros que não lhe ouço, ou tratar-lhe bem para tornar-me sociopata logo em seguida (e não queira saber se já assisti filmes violentos, porque a ciência natural ainda demora uns duzentos anos para atualizar de vez a episteme psicológica e me livrar da suposta assunção prévia de um crime). o que posso prometer, como trégua intelectual entre nós é jamais subir à boca chamando-lhe louco (embora eu pense isso dos homens que, como você, ainda perdem mais tempo centrados na vida alheia que em si mesmo), e um dia conseguir definir perfeitamente em fala e pensamento o que é o som silencioso que nunca sobe à sua garganta, e que quase subvocalizado invade a minha mente todos os dias para dizer-me absolutamente nada. aí, vender-me-ei às fantasias dos loucos reais pra dizer que sei a cura de todas as pagus, no inferno, e apaixonadamente, assumirei a posição de inquisitor para mandar você (e deus me perdôe por não perdoar, não vi motivo ou obrigação) queimar nas novas fogueiras da cristandade. ou quem sabe te usar nos meus primeiros escritos de uma renovada episteme sobre os loucos sociais.

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AMIGO, EU RI POR TRÁS
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abstraí em dor mouca:
o silêncio distendeu meus ouvidos
o que era a audição, antes de tudo?
a dor é emocional
e agradecida, ri seu riso.

quanto pago pelo secretariado?
trama não me falta em vida
esqueceu porquê era quinta feira?
mas todo amanhã é cinza

viva em riso o seu enjôo
porque nem todos vão pro céu, amigo
por que nem toda mulher
tem boceta cor de terracota.

memória de vida passada em signisciência