a revolução civil brasileira


A REVOLUÇÃO CIVIL BRASILEIRA



o brasileiro, estava, por definição, alienado. o quarto poder se encarregava de não dar ao povo a consciência necessária para ver a si mesmo como integrante número um do sistema, como o Primeiro Estado. o voto livre e a constituição, todos direitos conquistados a favor do povo, sempre foram engodos que o distraía do fato de que eram apenas a massa de manobra e a força do trabalho para o Segundo e o Terceiro Estado, a saber, a burguesia e a elite política. é como um dejávu de outras revoluções que sempre acabavam com o povo pegando em armas para fazer valer suas necessidades como direitos reais, e não apenas fictícios. o 3º artigo da Constituição Brasileira é lindo em seus objetivos para a nação, mas nunca foi objetivo da elite política garantir que o poder, que emana do povo, (aquele que governa de fato em uma democracia) pudesse ser utilizado para equanimizar as relações sociais dentro da nação. essa sempre foi a causa de toda revolução estudada nos livros de história do fluxo educacional. revolução inglesa – camponeses contra burgueses contra monarquia. revolução francesa – camponeses e burgueses contra a monarquia e a igreja.

há anos vivemos a alienação de que vivemos em estado de guerra civil. o racismo institucional em um país de matriz populacional negra; a violência contra a mulher, que é a chefe da família e única autoridade e figura de referência em mais da metade dos lares; o impedimento legal e institucional da busca pessoal pela felicidade – quando os LGBTT+ vão poder se abraçar e beijar seus/suas meninxs na rua (salve, Belchior), coisa para qual foi feitos os braços, os lábios e a voz? e eu nem quero citar a juventude, que não pode se libertar dos grilhões da doutrinação alienista nas escolas, pois é preciso aprender a ser gado.

a guerra se estende por mais de 300 anos. em tudo em que o povo se torne senhor de si, e não obedeça aos interesses econômicos dos outros Estados, lhe é cerceado um direito. união entre os povos oprimidos, lá no século XVI: o povo só queria uma língua que fosse deles, era orgânico que o contato linguístico entre índios, negros e portugueses gerassem uma nova forma de dizer as coisas. o nheengatu foi proibido, por quê permitir que o povo seja capaz de se entender e organizar? aprendam português, vocês não têm direito à autoexpressão, vocês se expressam como a monarquia desejar. Guerra de Canudos: o povo só queria uma anarquia autorregulada, uma comuna de paz e independente. e nem era independência política, nem era dissolução da monarquia, era apenas o direito de serem uma pequena comuna. resultado: a supressão de uma experiência completamente benéfica de como o anarquismo pode, sim, resultar em algo bom. porque deixar o povo desejar isso também para si?

começa que ao povo parece ser proibido perceber que não há capitalismo sem socialismo/comunismo, nem vice-versa. capitalismo é modelo econômico, socialismo/comunismo são modelos sociais. liberalismo é modelo de costume, tanto quanto o conservadorismo e a anarquia (esta voltada para a vontade do homem de ser quem é, e não de ser o que lhe mandam).

as nossas mulheres, chefes de família e figuras de autoridade em quase todas as famílias brasileiras, só querem o direito de não estarem presas a essa função. só querem o direito de não viver os incômodos da gravidez – nove meses é, sim, muito tempo; e parir dói pra cacete. e ainda que eu respeite o valor da vida do indivíduo e leve a gravidez ao parto com minha coragem feminina, todos me olhariam torto se eu parisse e desse a alguém que realmente ame esse indivíduo sem o pessimismo da minha infelicidade em ser obrigada a amá-lo, cria-lo, educa-lo colocando de lado todos os meus objetivos originais de vida. sou mulher de menor caráter se engravidar porque fiquei doente e precisei de antibióticos tomando pílula, mas não posso pôr um DIU ou fazer laqueadura antes de já ter sido mãe, e sem permissão de um marido. mas eu nem sou casada e nem quero ser, quero ser minha, pra variar, e viver pra mim, apenas! os homens, já foi mostrado pela ciência, não suportam nem uma contração menstrual, e querem obrigar as mulheres a viver as contrações do parir. pra quê? pra botar no mundo mais um indivíduo sem perspectiva de felicidade?

os negros só queriam ser libertos para o direito de não comprar o tabaco dos latifundiários. mas ora, como pode isso? proíbe esse fumo alternativo deles, aí, parceiro, que minha conta bancária tem de engordar em cima deles também. faz o que? prende e mata todo mundo que usar e gostar do fumo verde. não deixa eles expressarem a arte marcial deles, é muita flexibilidade corporal pra corpos tão parrudos e eu sem revólver na mão, até mudo de voz (salve, Bezerra da Silva). 

a guerra ao tráfico é a guerra civil, é a guerra contra os interesses de paz da nação. não temos direito a lazer, nem a educação não-servil, nem à saúde, nem à autoexpressão cultural. nos resta a ebriedade, e essa nos é tomada como crime. a guerra civil, essa travestida de guerra ao tráfico, é a guerra contra a liberdade de viver apesar da opressão, que é a única forma real de resistência: continuar vivendo e sendo feliz apesar do sistema.

dos índios, quase-coitados, não sei nem como expressar minha dor ao ver o dono da casa ser morto só porque nunca acreditou na propriedade privada. só porque pra eles a Terra é Mãe, e mãe é sagrada. só por não ser o tipo facínora, são o alvo fácil da guerra. eu não mato eles, mas eles me matam como bicho.    

minha bandeira jamais será verde e amarela. verde da mata que foi destruída pelos interesses de uma elite que não se importa em ser o convidado e não o dono da casa? que entra em minha terra para matar, roubar e destruir, igual os demônios que eles me mandam temer há séculos? amarelo do ouro que nos foi roubado (salve, Ponto de Equilíbrio) e que tanto importava que era razão suficiente para impedir que fôssemos independentes? cara, nossos ancestrais nem se ligavam nessas paradas de metal. a gente curtia mesmo era o verde, o som dos pássaros, comer cutia e tatu. ouro e prata pra gente (e digo isso num sentido de América Latina, mais até que de Brasil) sempre foi material de arte, tal como o mármore era pros europeus. Levasse tudo, deixasse-nos vivos, em paz e nos regendo a laissez-faire; ia dar trabalho, é certo, mas o brasileiro não é conhecido por sempre dar um jeitinho pra se resolver? azul do nosso céu, inspiração desde tempos remotos para nossas histórias ancestrais e nossa cultura, essa mesma que foi vilanizada por não louvar sua estética ancestral, mas a nossa, mesmo. quero pra quê, esse azul em minha bandeira? o céu ainda tá aí, apesar de você, e vai voltar amanhã apesar de você, também (salve, Chico Buarque). minha bandeira sempre será vermelha, pois esse é o nome que vocês deram ao meu país. Brasil, que vem da cor da brasa da madeira ancestral que vocês roubaram de nós. vermelha como o sangue dos meus irmãos, derramado em prol dos seus interesses opressores.

então: éramos alienados. depois nos tornamos, por definição grega, idiotas. nada do que acontecia do lado de fora das nossas casas realmente interessava. deixa, a TV e os jornais estão contando, então eles se resolvem lá no Terceiro Estado, afinal, o rei é ou não é, o povo? não é por nós que eles estão movendo a máquina?

depois que tomamos consciência ativa de que o Segundo e Terceiro Estado não estão interessados em nos servir como prometeram no contrato social que assinamos com a reforma constituinte pós-democrática, nos tornamos estúpidos. resolvemos fingir, ativamente, que isso não é importante, e que todos os que lutam contra essa miséria política, esses, que vêm da mesma base social que eu, eles é que estão errados.

e agora somos imbecis, que por definição é um idiota, um fraco e um estúpido, tudo ao mesmo tempo.

agora me diga: armar uma população nessas condições é ou não um ato de insanidade? quem você acha que tem mais saber de guerra? o marginalizado ou o militarizado? quem tem mais sangue no olho pra viver as misérias da guerra civil? quem ama mais, verdadeiramente o seu povo? quem constrói e abre suas portas simples de suas casas desorganizadas pra receber ajuda pra sua família (um salve especial a todas as ONG’s que atuam nas favelas a favor do povo), ou quem destrói piscina pública feita por marginal? o mecenas das artes populares (é, vai ter baile funk bancado por marginal, sim) ou quem quer milhões por um show que só vai a elite, bancado pelos bancários do Segundo Estado?


todo revolucionário evita pegar em armas como o diabo evita tomar banho de água benta, porque sempre resulta na perda de irmãos, de mães, pais e filhos. é sério, a gente queria resolver tudo isso de maneira pacífica, como seres humanos evoluídos que somos. mas não tá dando reggae, e não vai acabar em samba.talvez acabe num samba-lamento, porque é certo que morreremos. o povo, mais uma vez será suprimido após a guerra, como historicamente sempre foi. mas vamos morrer lutando, e infelizmente, levaremos muitos antidemocráticos junto conosco. e a sua bandeira, verde-amarela, será vermelha, tal como a minha. 

memória de vida passada em signisciência