sexta-feira, 7 de junho de 2019

um ritual

traçados quadrado e cubo, que se entrelaçam um ao outro.

à frente, a mesa retangular de pedra, com base em forma-tau.

por cima, uma adaga cerimonial: o punho em metal, a lâmina em madeira-cega, e encrustada à ponta mágica, uma esmeralda. estão dispostos, também, um punhado de sal-com-ervas, o fio rígido de ariadne, velas incolores sem pavio e uma porção de água-livre-de-taça. mesmo sem continente, o líquido mantém-se à forma de um cálice reminiscente. ao canto se empilham o orbe, o cubo, a pirâmide, o homúnculo e a cornucópia, sólidos mentais cabíveis numa boca sem dentes.

à direita, o receptáculo do grimório, erguido em inclinação de quarenta e cinco graus. há uma chama vestal flutuando, multicolorida. sobre o receptáculo, uma peça de couro curtido e ao avesso. era um animal guia, mas virou presa de um ser maior.

atrás, uma pedra grande o suficiente para recostar sem flexionar os joelhos. é um divã.

à esquerda, um quadro em plano perpendicular e um rico relicário pendurado na moldura. onde se pode ir através da pintura? em saída, não se pode esquecer da joia, necessária como portal de retorno. 

com a linha de ariadne, são carregadas as velas sem pavio, que se derretem na vesta multicor e pinga sigilos sobre o couro. conjurações admitidas. mas eis que algo muda, no momento em que caía o selo cerado no livro.

um espírito se forma: eis a velha verdegosa, cuja os cabelos não crescem mais. a figura na nuca é sua única coroa, pobres que foram as aventuras vividas. a língua é tão mole quanto úmida, e as íris emanam estrelas. a lambida na linha de ariadne é o feitiço de quem já não tem voz. as narinas fissuradas até o osso teletransportam odores de sangue e fezes do cavalo que está fora do aposento sem portas ou janelas. banida e alimentada dos sólidos mentais, se esvai em fumaça doce-amarga.

esconjura a lã de ariadne, que derrama óleo sobre a adaga, e o esparge sobre as runas invertidas. a linha carrega também o sal-com ervas, e põe-no sobre a unção do juramento. aqui não há magia: é a mão, que após estrangular a água-livre-de-taça, exorcismará o espírito invocado ao diário de sombras, até que se ele torne casto novamente.

um dracma ficou perdido em algum lugar do templo, mas não há quem sinta o totem de volta ao espaço-tempo.

memória de vida passada em signisciência